terça-feira, 27 de setembro de 2016

Agressividade canina: de quem é a culpa?


De repente, o melhor amigo da família ataca uma pessoa, deixando-a seriamente ferida ou, em casos mais graves, sem vida. Seja um visitante, uma criança ou o próprio tutor, para estes casos não existe regra, a não ser que todos acabam chocando e chamando a atenção justamente pela natureza atípica da ocorrência. Afinal, quem espera ser agredido por aquele que carrega a fama de “melhor amigo do homem”? Entretanto, uma pesquisa minuciosa revelará um fato importante sobre a agressividade canina. Na maior parte dos casos documentados, o animal não era nem de longe tratado como “melhor amigo”.
Apesar disso, em momentos como esses a massa popular volta-se para outros fatores que não a criação. Um dos mais frequentes, sem dúvida, é a raça. Especialmente a raça American Pit Bull Terrier – ou simplesmente Pit Bull –, que ocupa hoje o lugar que no passado pertenceu ao Dobermann na preferência da mídia quando o assunto é rótulo de agressividade ligada à raça. No ano passado mesmo, quando um exemplar deste animal atacou um cinegrafista na cobertura de um protesto em Curitiba, o apresentador do programa em questão, num afã de sensacionalismo e sem embasamento científico algum, chegou ao ponto de afirmar que a raça “deu geneticamente errado”, ignorando dois fatos importantes: 1) o animal estava sob a tutela da Polícia Militar e o próprio cinegrafista afirmou que o cão cessou o ataque assim que foi ordenado e 2) um Pastor-Alemão também atacou um parlamentar pouquíssimos segundos antes (você pode ver o vídeo aqui).
Além disso, dizer que o Pit Bull geneticamente deu errado é ignorar totalmente o histórico da raça. Assim como o Mastim Napolitano, o Rotweiller e o American Stafforshire Terrier – as quatro raças consideradas potencialmente perigosas no Brasil –, ele carrega a carga genética ideal para o propósito para o qual foi “criado”, neste caso, o combate. E embora hoje esta forma de utilização seja proibida por lei, ele ainda traz consigo o fenótipo e temperamento ideais para um cão de caça e guarda. É exatamente este fato que muitas pessoas dão pouca ou nenhuma importância ao escolherem um animal para colocarem em suas residências. A ideia do cão como animal de estimação é relativamente nova. A própria domesticação de lobos em Canis familiaris deu-se com o intuito de caça e guarda. Apenas posteriormente surgiram variações para companhia, e desde então, cada raça é categorizada de acordo com o objetivo claro para o qual foi desenvolvida, já que este fará toda a diferença na maneira como o animal deverá ser criado.


O adestramento de cães é frequentemente visto pelas pessoas como um luxo, quando, na verdade, segundo Bruce Fogle, veterinário e pesquisador com mais de 35 anos de experiência em cães, é indispensável. Você não precisa adestrar o seu animal para fazer truques, se não quiser. Mas se pretende que ele viva em sua casa, é fundamental que ele aprenda algumas normas básicas de convivência. O desconhecimento por parte do cão da posição hierárquica que ocupa na “matilha”, bem como a falta de uma rotina básica e disciplinamento por parte dos tutores se manifestará de diferentes formas. Os cães de temperamento naturalmente amigável revelarão as deficiências de manejo numa mera convivência difícil com a família; já os de temperamento combativo poderão mostrar isso num ataque à pessoa errada. A culpa não é da raça, mas do tutor que não soube lidar com as peculiaridades dela.
Os números comprovam isso. Uma pesquisa desenvolvida em Uberlândia mostrou que mais de 90% dos cães de família não passam por qualquer adestramento. Simplesmente são levados para casa e deixados à mercê de si mesmos. É desnecessário dizer que um cão que possua propensão a caçar e guardar e que não foi devidamente ensinado a usar corretamente suas habilidades, acabará utilizando-as mal, já que têm a tendência natural de caçar qualquer animal que se mova e de atacar qualquer ser que invada o território que ele acredita ser seu – no caso, o quintal ou espaço onde é confinado e preso. E estes são fatores preponderantes nos episódios de agressão. Uma outra pesquisa publicada na revista científica Journal of the American Veterinary Association mostrou que em 85,2% dos casos os animais não tinham qualquer relação com a vítima e em 76,2% os animais eram simplesmente mantidos presos no quintal, com relação próxima apenas com um dos membros da família ou mesmo sem qualquer relação, vendo pessoas apenas nos momentos de alimentação ou limpeza do local.
Logo, a primeira pergunta que se deve fazer ao adotar um cão é: qual o meu objetivo ao adotar um cachorro? Pesquise as características standard das raças antes de fazer uma escolha. Mas, se mesmo assim você optar por uma raça de caça e/ou guarda, a pergunta deve ser: eu estou preparado para manejar o temperamento naturalmente combativo deste animal para conviver em família? Os ataques de Dobermanns e Filas, por exemplo, diminuíram consideravelmente justamente porque, devido à [má] fama causada pela mídia, apenas treinadores competentes de cães de guarda passaram a optar por essas raças (note que pessoas nas ruas passeando com estes animais tem se tornado uma cena cada vez mais rara). Em Portugal, por exemplo, existe uma legislação rígida AO EXTREMO no sentido de controlar a adoção desses animais como cães de companhia. É preciso ter em mente que um trabalho diferenciado precisará ser feito com este animal, já que ele não foi desenvolvido para este fim, embora não seja, de maneira nenhuma, incapaz de desempenhá-lo (estão aí os tutores de Pitbulls, Rotweillers e afins extremamente dóceis que não nos deixam mentir).
E o mais importante: se alguém não tem condições ou tempo de dar a qualquer cão a educação que ele necessita, não é que esta ou aquela raça não serve para um tutor. Este tutor é que não serve para qualquer raça. Seja no sempre alerta Pit Bull ou no amigável Labrador Retriever, a carga genética de qualquer cão pressupõe hierarquia e disciplina. Ou seja, são requisitos OBRIGATÓRIOS para a felicidade do animal. A semelhança entre um cão apenas mal-educado e um cão agressivo está justamente no fato de que ambos são infelizes, pois em nenhum dos dois casos está sendo dado ao animal o que ele precisa. Mesmo nas matilhas selvagens, cada membro sabe exatamente o seu papel, e você como tutor precisa saber o seu. Afinal, assim como cães não podem gerar gatos, um tutor não-adestrado criará apenas animais à sua própria imagem e semelhança. (Diariodebiologia)

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Oleh

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