segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Em descoberta inédita no mundo, cientistas brasileiros encontram parasita preservado dentro de ossos de dinossauro

Pesquisadores da UFRN, da UFSCar e da Unicamp identificaram microrganismo em 'dino zumbi' que sofria de osteomielite aguda, doença que até hoje afeta animais e também humanos.



Uma equipe de cientistas brasileiros encontrou, em uma descoberta inédita no mundo, um parasita sanguíneo preservado dentro dos ossos de um dinossauro. A pesquisa foi publicada na quinta-feira (15) na revista científica "Cretaceous Research".

Os pesquisadores – da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Unicamp – acharam o parasita nos ossos de um titanossauro (os dinos de pescoço comprido) que sofria com uma doença chamada osteomielite aguda, uma infecção óssea que até hoje atinge animais e humanos.

Antes da descoberta dos brasileiros, parasitas pré-históricos só haviam sido encontrados dentro de insetos preservados em âmbares ou em fezes fossilizadas – ou seja, nenhum dentro de um hospedeiro.

Como foi feita a descoberta?

Em 2017, enquanto fazia seu pós-doutorado, a cientista Aline Ghilardi, da UFRN, autora sênior da pesquisa, notou que um dos ossos dos dinossauros que estudava – que havia sido descoberto em São Paulo e que hoje é mantido em um laboratório da UFSCar – tinha caroços esponjosos.

A equipe resolveu, então, estudá-lo mais a fundo. No ano seguinte, o pesquisador Tito Aureliano, que fazia mestrado na Unicamp, decidiu estudar os ossos com um microscópio – e, depois, com uma tomografia, feita na Faculdade de Medicina da USP.

Com as análises, foi feito o diagnóstico da osteomielite aguda, uma infecção que pode causar deformações nos ossos e que, provavelmente, causava muita dor ao titanossauro (veja detalhes mais abaixo).

Depois, os cientistas fizeram uma biópsia do material – algo que ninguém nunca tinha feito antes – para ver o desenvolvimento da doença. (A maioria das pesquisas do tipo descreve as amostras a olho nu ou com uma radiografia simples – o máximo que fazem é uma tomografia, explica Tito Aureliano, que é o primeiro autor do estudo.)

Foi aí que veio a surpresa.

A paleontóloga Fresia Ricardi-Branco, da Unicamp, detectou a presença de um microfóssil dentro dos canais vasculares do osso do dinossauro. Ao examiná-lo, Aureliano achou mais de dez microrganismos fossilizados.

Entrou em cena, então, a paleoparasitóloga Carolina Nascimento, da UFSCar, para analisar detalhadamente a amostra. Ela conseguiu achar mais de 70 microrganismos similares preservados dentro do osso do titanossauro e determinou que eles eram algum tipo de parasita sanguíneo.

"Quando descobrimos que era um parasita e que estava dentro dos canais do dinossauro, começamos a ficar nervosos para sermos os primeiros [a publicar]", relata Tito Aureliano. "Não acreditamos que nunca tinham feito isso [a biópsia]".

Os pesquisadores ainda não sabem, entretanto, se foram os parasitas que causaram a osteomielite. Isso porque eles encontraram, também, uma colônia de bactérias no fóssil.


"Não sabemos se esses parasitas compridinhos causaram a doença ou se a doença causou a presença deles", diz Aureliano.

"O máximo que a gente se atreveu a dizer é que é um parasita – um pouco maior do que os que são encontrados em âmbar – e que mais estudos são necessários", afirma.

A equipe trabalha nesses próximos resultados, que deverão ser publicados em breve.

Dino sentiu muita dor

O que os pesquisadores podem determinar, por enquanto, é que o titanossauro "sentiu dor – e muita dor – para morrer", diz Aureliano.

"Ele estava apodrecendo vivo", afirma.

Em um vídeo em que explicam a pesquisa, Aureliano e Ghilardi dizem que, considerando o modo como essa doença age em organismos atuais, o dinossauro deve ter sofrido muito até atingir o estado grave que eles viram – com a formação de feridas abertas expelindo pus pelas pernas, braços e corpo.

"Neste fóssil recuperado, o estágio da doença estava tão agressivo que a gente apelidou esse espécime de 'Dino Zumbi'", diz Aureliano.

Eles conseguiram determinar também que, quando morreu, o titanossauro era idoso. Analisando as feridas, esclareceram como a inflamação evoluiu até a formação dos caroços e identificaram, até mesmo, o momento em que a ferida se abriu e foi colonizada por bactérias.

Os pesquisadores perceberam que a lesão ia desde a parte mais interna do osso até a parte de fora – onde formava os caroços esponjosos vistos por Ghilardi.

"Esses dados todos serão muito importantes para o avanço da compreensão da doença na medicina atual e no tratamento em humanos", afirma Ghilardi.

Os achados dos pesquisadores só foram possíveis graças a um processo chamado fosfatização, que garantiu uma "fossilização excepcional" ao dino.

"A fossilização é um processo muito destrutivo – é raro ter essa preservação excepcional, quando são preservadas partes moles. A química dentro do osso petrificou muito rápido os microrganismos", explica Aureliano.

A descoberta decorre de um conjunção de fatores certos ocorridos na hora certa: os cientistas encontraram o titanossauro "certo" e que morreu "do jeito certo", mantendo o grau de preservação alto necessário para exame no microscópio.

Contribuições

"Esse trabalho foi inovador, pois uniu, pela primeira vez, os campos da histologia, patologia e parasitologia aplicados aos fósseis, o que abrirá novas possibilidades para a paleontologia de agora em diante", diz Ghilardi.

"É, também, um exemplo de como a ciência de base pode acabar causando impacto na medicina moderna, contribuindo para a compreensão de doenças que até hoje acometem animais, inclusive a espécie humana."

"Estamos muito satisfeitos, muito felizes, de fazer uma contribuição sólida na nossa área, de abrir novas possibilidade para a paleontologia. Agora a gente sabe que pode tirar parasitas de amostragens, incluindo nossos ancestrais humanos", lembra Aureliano.

Reprodução: G1

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